Texto e fotos de Henrique Guerra.
Muitas teses são feitas sobre o destino das araucárias.
Umas, catastróficas.
A própria proibição de manejo racional estaria impedindo a sua disseminação no interior das matas nativas.
Isso está realmente acontecendo em certa escala.
No meio da mata, só tem araucária antiga.
Mas em áreas de recuperação, leia-se, áreas que o mato tomou conta, lá estão plântulas e jovens plantas de araucária de variados portes e idades.
Noutras partes já estabelecidas é possível avistar araucárias de bom porte, jovens adultas, por assim dizer, bem longe das araucárias mães.
Quem está disseminando as sementes do chamado "pinheiro-brasileiro"?
Sabe-se que as pinhas da espécie estouram arremessando sementes num raio de até 30 metros de distância.
Às vezes, porém, constata-se que há plantas novas de araucária em locais onde aparentemente não há
outras araucárias nas imediações.
Ressalte-se que aqui em nossa região não há ocorrência da famosa gralha-azul, tão cantada em prosa e verso, mas temos uma congênere,
a Cyanocorax chrysops.
Chamada de gralha-picaça ou gralha-da-mata, é uma ave extremamente bela, vivaz e inteligente, bem distribuída nos matos da região. Não seria exagero afirmar que praticamente cada capão de mato tem um pequeno bando de gralha-picaça.
Então, fiz-me a pergunta: será que esta gralha esperta pode estar ajudando na disseminação dos pinheiros? A leitura de dois trabalhos científicos me levou a crer que a resposta a essa pergunta é um inequívoco "sim".
1. O primeiro trabalho é de Bornschein, Marcos Ricardo & Reinert, Bianca. Alimentação da gralha-azul (Cyanocorax caeruleus), ORNITOLOGIA NEOTROPICAL 9: 213–217, 1998; © The Neotropical Ornithological Society. Disponível em http://www.ibiologia.unam.mx/pdf/links/neo/rev9/vol9_2/orni_9_2_213-218.pdf.
A seguir eu transcrevo um trecho do artigo:
"A semente de A. angustifolia na alimentação de C. caeruleus é fato bastante conhecido no sul do Brasil e, inclusive, relacionado com a crendice que ela planta o pinhão (Sick 1968,1985, 1986; SEED 1988; Anjos 1991, 1995;Belton 1994). A gralha-azul é dispersora da araucária, pois transporta as suas sementes para ingeri-las em outro local, quando estas por vezes lhe escapam caindo no solo (Sick 1968, 1985, 1986; SEED 1988; Anjos 1991,1995). Esta espécie também estoca os pinhões em locais relativamente altos, como no ápice de xaxins (Dicksonia sp., Dicksoniaceae), ocos de árvores, entroncamentos de galhos e em plantas epífitas (e.g., Bromeliaceae) (Reitz & Klein 1966, Sick 1985, SEED 1988; Anjos 1991, 1995). Até o momento, entretanto, não foi confirmado se na natureza a gralha-azul estoca pinhões no solo, enterrando-os ou não, conforme Anjos (1995) verificou com indivíduos em cativeiro. Este comportamento, todavia, foi constatado na congenérica e em parte simpátrica C. chrysops. Esta espécie enterra as sementes da A. angustifolia no solo (Anjos 1995), ou as esconde próximo do chão em agrupamentos de arbustos e capim, como logramos observar em uma ocasião no sul do Paraná. Talvez este seja o motivo pelo qual verifica-se em certas regiões inúmeras araucárias juvenis desenvolvendo-se em touceiras, por vezes distantes de representantes adultos da espécie." (grifo meu)
2. O segundo trabalho, fruto de 1.800 horas de observação a campo em três locais de estudo, "Breeding and Foraging Variation of the Plush-Crested Jay (Cyanocorax chrysops) in the Brazilian Atlantic Forest", é de autoria de Angelica Maria Kazue Uejima, Andrea Larissa Boesing e Luiz dos Anjos e foi publicado originalmente no The Wilson Journal of Ornithology, 124(1):87-95. 2012. O resumo do artigo está disponível aqui.
O minucioso trabalho cita que "The Plushcrested Jay caches the seed of A. angustifolia on the ground, and it should be considered as an incidental disperser of this tree species", ou seja, "A gralha-picaça armazena/esconde sementes de A. angustifolia no solo, e deve ser considerada uma dispersora incidental dessa espécie de árvore". E conclui que "Some seedlings of A.
angustifolia were recorded in places, around the
animal breeding center at KEP, where individual
Plush-crested Jays were observed caching seeds of
Vale ressaltar que os dois trabalhos feitos em décadas diferentes registram observações feitas a campo em que a gralha-picaça (Cyanocorax chrysops) atua guardando pinhões perto do solo para consumir mais tarde. É lógico pensar que algumas dessas sementes podem ser esquecidas e acabarem, sob condições favoráveis, germinando e gerando uma futura araucária, num ciclo virtuoso.
Em suma, além de muito bonita, a nossa gralha também é ecológica, ajudando a dispersar uma espécie de árvore em risco de extinção.
Claro que não podemos tirar o mérito de outras espécies de nossa fauna que podem estar colaborando nessa dispersão, como a cotia e o papagaio-de-peito-roxo. Seja como for, e conforme comprovado pelas fotos acima, há uma luz no fim do túnel. Araucárias de todas as idades prosperam em diferentes tipos de matos, escoltadas por um pelotão de gralhas que comprovadamente ajudam em sua dispersão.
Muitas teses são feitas sobre o destino das araucárias.
Umas, catastróficas.
A própria proibição de manejo racional estaria impedindo a sua disseminação no interior das matas nativas.
Isso está realmente acontecendo em certa escala.
No meio da mata, só tem araucária antiga.
Mas em áreas de recuperação, leia-se, áreas que o mato tomou conta, lá estão plântulas e jovens plantas de araucária de variados portes e idades.
Noutras partes já estabelecidas é possível avistar araucárias de bom porte, jovens adultas, por assim dizer, bem longe das araucárias mães.
Ao centro e ao fundo, uma araucária centenária; à direita no plano intermediário, uma jovem com algumas décadas de vida. |
Jovem araucária no primeiro plano; copas de araucárias mais maduras são visíveis ao fundo. |
Quem está disseminando as sementes do chamado "pinheiro-brasileiro"?
Sabe-se que as pinhas da espécie estouram arremessando sementes num raio de até 30 metros de distância.
Às vezes, porém, constata-se que há plantas novas de araucária em locais onde aparentemente não há
outras araucárias nas imediações.
Ressalte-se que aqui em nossa região não há ocorrência da famosa gralha-azul, tão cantada em prosa e verso, mas temos uma congênere,
a Cyanocorax chrysops.
Chamada de gralha-picaça ou gralha-da-mata, é uma ave extremamente bela, vivaz e inteligente, bem distribuída nos matos da região. Não seria exagero afirmar que praticamente cada capão de mato tem um pequeno bando de gralha-picaça.
A gralha-picaça (Cyanocorax chrysops), que anda em bandos relativamente comuns nas matas da região,
pode estar contribuindo para a dispersão das araucárias?
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Então, fiz-me a pergunta: será que esta gralha esperta pode estar ajudando na disseminação dos pinheiros? A leitura de dois trabalhos científicos me levou a crer que a resposta a essa pergunta é um inequívoco "sim".
1. O primeiro trabalho é de Bornschein, Marcos Ricardo & Reinert, Bianca. Alimentação da gralha-azul (Cyanocorax caeruleus), ORNITOLOGIA NEOTROPICAL 9: 213–217, 1998; © The Neotropical Ornithological Society. Disponível em http://www.ibiologia.unam.mx/pdf/links/neo/rev9/vol9_2/orni_9_2_213-218.pdf.
A seguir eu transcrevo um trecho do artigo:
"A semente de A. angustifolia na alimentação de C. caeruleus é fato bastante conhecido no sul do Brasil e, inclusive, relacionado com a crendice que ela planta o pinhão (Sick 1968,1985, 1986; SEED 1988; Anjos 1991, 1995;Belton 1994). A gralha-azul é dispersora da araucária, pois transporta as suas sementes para ingeri-las em outro local, quando estas por vezes lhe escapam caindo no solo (Sick 1968, 1985, 1986; SEED 1988; Anjos 1991,1995). Esta espécie também estoca os pinhões em locais relativamente altos, como no ápice de xaxins (Dicksonia sp., Dicksoniaceae), ocos de árvores, entroncamentos de galhos e em plantas epífitas (e.g., Bromeliaceae) (Reitz & Klein 1966, Sick 1985, SEED 1988; Anjos 1991, 1995). Até o momento, entretanto, não foi confirmado se na natureza a gralha-azul estoca pinhões no solo, enterrando-os ou não, conforme Anjos (1995) verificou com indivíduos em cativeiro. Este comportamento, todavia, foi constatado na congenérica e em parte simpátrica C. chrysops. Esta espécie enterra as sementes da A. angustifolia no solo (Anjos 1995), ou as esconde próximo do chão em agrupamentos de arbustos e capim, como logramos observar em uma ocasião no sul do Paraná. Talvez este seja o motivo pelo qual verifica-se em certas regiões inúmeras araucárias juvenis desenvolvendo-se em touceiras, por vezes distantes de representantes adultos da espécie." (grifo meu)
2. O segundo trabalho, fruto de 1.800 horas de observação a campo em três locais de estudo, "Breeding and Foraging Variation of the Plush-Crested Jay (Cyanocorax chrysops) in the Brazilian Atlantic Forest", é de autoria de Angelica Maria Kazue Uejima, Andrea Larissa Boesing e Luiz dos Anjos e foi publicado originalmente no The Wilson Journal of Ornithology, 124(1):87-95. 2012. O resumo do artigo está disponível aqui.
O minucioso trabalho cita que "The Plushcrested Jay caches the seed of A. angustifolia on the ground, and it should be considered as an incidental disperser of this tree species", ou seja, "A gralha-picaça armazena/esconde sementes de A. angustifolia no solo, e deve ser considerada uma dispersora incidental dessa espécie de árvore". E conclui que "Some seedlings of A.
angustifolia were recorded in places, around the
animal breeding center at KEP, where individual
Plush-crested Jays were observed caching seeds of
this tree species". Ou numa tradução aproximada: "Algumas plântulas de A. angustifolia foram registradas em locais, perto do centro de melhoramento animal no Parque Ecológico Klabin, nos quais foram observados indivíduos da gralha-picaça guardando sementes dessa espécie de árvore".
Aqui vale um esclarecimento terminológico. O termo "caching" (não confundir com "catching") refere-se ao hábito de certas espécies de mamíferos (p. ex., esquilos) e aves de guardarem comida para períodos de escassez. O termo é explicado neste site como "hiding food to retrieve and eat later in the season" (esconder alimento para recuperar e comer mais tarde ao longo da estação).
Aqui vale um esclarecimento terminológico. O termo "caching" (não confundir com "catching") refere-se ao hábito de certas espécies de mamíferos (p. ex., esquilos) e aves de guardarem comida para períodos de escassez. O termo é explicado neste site como "hiding food to retrieve and eat later in the season" (esconder alimento para recuperar e comer mais tarde ao longo da estação).
Vale ressaltar que os dois trabalhos feitos em décadas diferentes registram observações feitas a campo em que a gralha-picaça (Cyanocorax chrysops) atua guardando pinhões perto do solo para consumir mais tarde. É lógico pensar que algumas dessas sementes podem ser esquecidas e acabarem, sob condições favoráveis, germinando e gerando uma futura araucária, num ciclo virtuoso.
Em suma, além de muito bonita, a nossa gralha também é ecológica, ajudando a dispersar uma espécie de árvore em risco de extinção.
Claro que não podemos tirar o mérito de outras espécies de nossa fauna que podem estar colaborando nessa dispersão, como a cotia e o papagaio-de-peito-roxo. Seja como for, e conforme comprovado pelas fotos acima, há uma luz no fim do túnel. Araucárias de todas as idades prosperam em diferentes tipos de matos, escoltadas por um pelotão de gralhas que comprovadamente ajudam em sua dispersão.
Trabalhos científicos comprovam que a gralha-picaça (Cyanocorax chrysops) é um agente na dispersão das araucárias. |